*Por Marcia Huçulak, ex-secretária municipal de Saúde de Curitiba e assessora técnica do gabinete do prefeito Rafael Greca
O Brasil ocupa um triste 140º lugar num ranking de 192 países em participação das mulheres na política, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). Uma posição lamentável por si só, que na América Latina nos coloca à frente apenas de Belize e do Haiti.
A posição na rabeira desse ranking não combina com a forte presença da mulher em vários outros aspectos — sociais, econômicos e culturais — da vida do país. Somos importantes, somos relevantes, somos maioria.
Para ficar em alguns exemplos:
– As mulheres representam 52% da população.
– A proporção de mulheres no ensino superior é maior entre o público feminino.
– Quarenta e cinco porcento dos lares brasileiros são sustentados por mulheres.
– Setenta e dois porcento dos artigos científicos são produzidos no país por mulheres, segundo a OEI (Organização dos Estados Ibero-americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura).
– No setor de saúde (pública e privada) 65% dos profissionais é composto por mulheres, que são, portanto, um enorme sustentáculo do SUS (Sistema Único de Saúde).
– E numa área que ganhou uma dimensão bilionária nos últimos anos, principalmente entre os jovens, os jogos eletrônicos, as mulheres somam 65% dos consumidores.
Com essa enorme relevância, por que as mulheres não venceram ainda o muro da preponderância patriarcal e da histórica sub-representação na política?
Está aí um tema que precisa ser discutido de forma mais profunda para que se possa compreender o que afasta as mulheres da política.
Há, claro, vários bons exemplos de mulheres muito ativas e relevantes na vida pública, independentemente dos matizes ideológicos. Mas quando se fala em participação proporcional, a distorção ainda é muito grande.
Embora o número de candidatas venha crescendo, as efetivamente eleitas ainda são minoria. No Congresso Nacional atual, apenas 15% das 513 cadeiras são ocupadas por mulheres, enquanto no Senado são 14%.
Transformar esse cenário vai demorar tempo e exigir esforço das mulheres, numa batalha que passa por romper barreiras de preconceito institucionalizado, pelo qual muitos homens ainda veem a participação feminina como um penduricalho institucional, um acessório a ser aceito dentro de limites bem estreitos.
Um bom exemplo dos desafios a serem vencidos vem de fora. Angela Merkel ficou 16 anos à frente do governo alemão, tornando-se a segunda mais longeva chefe de Estado de seu país (só Otto Von Bismarck, ainda no século 19, ficou mais tempo no comando).
Merkel construiu uma história única. Foi considerada uma das maiores líderes mundiais por anos. Além de ser política, é cientista (doutora em Química Quântica). Sua atuação fez surgir até um novo verbo na língua alemã (merkelizar, em português), significando ponderação, calma e busca de informações.
Com toda essa estatura, nos anos iniciais de sua carreira política era chamada de a “garota do Khol”, em referência a seu antecessor e padrinho político. Seria chamada de o “garoto de Khol”, se fosse homem?
O caminho para mudar o cenário atual é longo. Cabe às mulheres arregaçarem as mangas, acelerarem o passo e colocarem seu conhecimento, expertise, técnica, capacidade neste importante campo da vida pública.
Um dado acessório e intrigante: nos anos Merkel, a proporção de mulheres no parlamento alemão caiu, de 33,9% para 31,4%.
Citando outra líder e pioneira, a ex-presidente do Chile e atual alta comissária para Direitos Humanos da ONU, Michele Bachelet: “Quando uma mulher entra na política, muda a mulher. Quanto muitas mulheres entram na política, muda a política”.
É por aí.